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Ansiedade e Futuro

  • Foto do escritor: Gabriel Filipe
    Gabriel Filipe
  • 29 de dez. de 2024
  • 4 min de leitura

Muito se ouve, hoje em dia, sobre a prevalência dos referidos "sintomas de ansiedade" na sociedade moderna num geral. Penso que, aos que vivem tais sintomas, nenhuma descrição englobe completamente o fenômeno, mas Castillo et al. (2000), por exemplo, descreveram ansiedade como "um sentimento vago e desagradável de medo, apreensão, caracterizado por tensão ou desconforto derivado de antecipação de perigo, de algo desconhecido ou estranho". Para fins desse texto, usarei a palavra "ansiedade" para referir a essa definição. Já de antemão, encontramos nesse trecho uma pista daquilo que pretendo tratar neste texto: A relação inexorável entre a sensação de ansiedade e a perspectiva de futuro, ou mais precisamente o excesso ou falta dela. Mas vamos por partes.


Antes de mais nada, preciso esclarecer que não pretendo que esse texto seja um ataque à ansiedade de maneira geral. Assim como muitos outros sentimentos, ela tem a sua função: assim como o medo, que é seu parente, intenciona nos preservar de perigos e avisar que nossos sentidos, nossos instintos, ou mesmo nossa razão, identificou algum risco no nosso futuro e precisamos tomar cuidado. É interessante observar como a ansiedade se orienta sempre ao futuro, todavia: raramente diríamos que estamos "ansiosos" se nos deparamos cara a cara com um animal selvagem e feroz, no meio da floresta. Normalmente o "ansioso" vem nos momentos em que navegamos a floresta escura e não temos provas da presença do animal, apenas uma suposição de sua eventual presença. O objeto do medo ainda não está lá, apenas paira no horizonte. A ansiedade serve então apenas para o aviso: "Ei, amigo, talvez não ande sozinho por esta floresta". Nesse breve exemplo, ela pode muito bem salvar a nossa pele.


Onde, então, mora o problema? Bem, como já dizia minha mãe: "tudo faz mal em excesso", e aqui não é diferente. Mas excesso do quê, exatamente?


A vida na nossa sociedade contemporânea requer, em média, uma quantia bastante alta de planejamento. "Quando cai o salário? E outros rendimentos? Quando cai a conta de luz e quanto ela vai cair esse mês? E a água? O gás? Quanto vai sair de supermercado esse mês, e as contas vão bater? Se vão bater, quanto vai sobrar? E com essa sobra, vou comprar algo que preciso? Algo que quero? Ou será que coloco numa aposentadoria?" Lidamos com essas perguntas - e muitas outras - todo mês, toda semana, todo dia. Para alguns, até ler isso pode ter gerado uma pequena ansiedade (se serve de consolo, gerou em mim também só de escrever). Até além dessas questões básicas de sobrevivência, em muitos casos até as atividades de lazer, os hobbies e os esportes, requerem um grau de planejamento e um certo "malabarismo de agenda". E isso é falando apenas de questões cotidianas - para além disso, muitos já são estimulados desde o período escolar a ter um planejamento de longo prazo, pensar em planos de carreira, construir família. O tanto que o cidadão médio precisa pensar no futuro não é pouco.


A essa altura do campeonato, acho que dá pra ver aonde eu quero chegar. A vida na modernidade requer que pensemos constantemente no futuro; pensar constantemente no futuro envolve se preocupar com os riscos e desafios que nele residem; se preocupar com riscos e desafios é exatamente o tipo de coisa que gera ansiedade. Na verdade, é muito natural e até previsível que uma sociedade tão focada em planejamentos, metas e prazos seja cheia de gente ansiosa. Até porque, retomando meu ponto do segundo parágrafo, a ansiedade é um jeito do próprio organismo se defender de riscos futuros - exceto que dessa vez o risco é cortarem a luz da casa, ao invés de ser comido por algum animal selvagem. O problema é mais que essa ansiedade, para muita gente, ultrapassa o limite da mera autopreservação. Aquilo que deveria nos motivar a fazer algo sobre o assunto acaba, paradoxalmente, virando algo que nos impede de fazer qualquer coisa.


E o que fazer com tudo isso? Como eu costumo dizer, "é simples, mas não é fácil": Se o problema é excesso de futuro, nada como uma boa dose de presente. O retorno à experiência do presente, mesmo às coisas simples e às experiências sensoriais, pode ser transformador para harmonizar essa espiral da ansiedade. Volto a repetir, a intenção não é "demonizar" ou "eliminar" a ansiedade, mas retornar ela ao seu devido lugar e função. Exercícios de respiração ou outras práticas corporais como o Yoga, por exemplo, são táticas eficazes nesse propósito (Falcão et al., 2020; Vorkapic & Rangé, 2011). Afinal de contas, os pensamentos podem tentar vagar ao passado ou ao futuro o quanto quiser, mas o corpo sempre continuará no presente. Ancorando-se nele, talvez possa se construir um caminho para lidar com a vida tal qual ela chega, e não tal qual ela um dia chegará.


Naturalmente, a nível de considerações finais, não intenciono propor uma receita certeira para lidar com a ansiedade - uma modernidade complexa suscita fenômenos igualmente complexos. Têm inúmeros fatores que interagem com esse fenômeno da ansiedade que fogem um pouco do escopo desse texto, e são muito relevantes. E seria uma negligência minha, enquanto gestaltista, não mencionar que a experiência de cada um com a ansiedade é singular e marcada pela própria percepção do mundo. Não existem duas ansiedades iguais, mesmo que parecidas. Da mesma forma, cada um tem que se perceber e descobrir o próprio caminho para enfrentar seus anseios. Mas, em alguns níveis, talvez seja de alguma utilidade refletir um pouco sobre algumas partes compartilhadas das nossas experiências.


Nós vivemos na mesma floresta, afinal de contas.




Imagem de capa: Getty Images/iStockphoto


Referências

CASTILLO, Ana Regina GL et al. Transtornos de ansiedade. Brazilian Journal of Psychiatry, v. 22, p. 20-23, 2000.

FALCÃO, Eduardo et al. Ansiedade. 2020.

VORKAPIC, Camila Ferreira; RANGÉ, Bernard. Os benefícios do yoga nos transtornos de ansiedade. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, v. 7, n. 1, p. 50-54, 2011.



 
 
 

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