Motivação; Ano Novo; Renovações
- Gabriel Filipe
- 30 de dez. de 2024
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"Ano que vem, vai ser diferente". Palavras muito comuns na época de final de ano (não por coincidência, escrevo esse texto em meados de dezembro). No entanto, recentemente parece que, na mesma medida em que ouço essas palavras sendo proferidas, ouço também umas outras, mais céticas: "Mas o ano é só uma convenção social! Nada vai mudar magicamente. Se você quer mesmo fazer algo, não importa esperar o ano passar ou começar agora." Inegavelmente, existe uma certa lógica nessas palavras. Mas será que é tão simples assim?
Primeiro, vamos destrinchar um pouco o que esses votos de final de ano representam, de maneira geral. Tomemos como exemplo: "Ano que vem, pararei de fumar". Um voto relativamente comum, pelo menos nas minhas observações pessoais. A primeira parte da sentença diz respeito a um período de tempo (o ano que vem), e a segunda, a uma ação (parar de fumar). Uma análise um tanto quanto óbvia, admito, mas importante de ser destacada pelas implicações que têm, em termos de conceitos psicológicos: tratamos aqui de uma meta, algo a ser atingido em um determinado prazo. E o estabelecimento de uma meta implica em um outro conceito ainda mais chamativo: Motivação.
Motivação já foi definida como, por exemplo, "uma espécie de força interna que emerge, regula e sustenta todas as nossas ações mais importantes." (Vernon, 1973 apud Todorov e Moreira, 2005). Colocando de um jeito mais tangível, quando você decide fazer alguma coisa, a motivação mais ou menos determina a eficiência que o seu "motor" psíquico vai desempenhar com a sua energia, por assim dizer. Quanto mais motivado você estiver, mais você se encontra persistindo nas tarefas relacionadas ao objetivo e, inversamente, quando não estamos motivados, a mínima tarefa parece que toma o dia todo. Como se o nosso combustível mental rendesse menos.
E como as metas entram nessa história? Simples: O estabelecimento de metas é fortemente ligado à sustentação de motivação, como já demonstra uma série de estudos (Zenorini e dos Santos, 2010; Cardoso e Bzuneck, 2004; Miranda e Almeida, 2009; Caetano e Januário, 2009). Isso é muito comentado em relação a metas de aprendizagem em especial, mas vamos voltar ao nosso exemplo do futuro ex-fumante: Para alguém que fuma duas ou três cartelas por dia, fumar apenas uma já é um avanço significativo, mesmo que não seja o objetivo final. Pensar em simplesmente não fumar mais nada pode até inimaginável para alguém que consome muito, mas pensar em fumar um pouco menos do que se fuma hoje em dia é muito mais tangível. Isso é, inclusive, uma lógica próxima da política de redução de danos, que é o tratamento moderno para adições, como exemplificado por Machado e Boarini (2013), por exemplo. Quando adiciona-se a isso um elemento temporal, ou seja, um prazo até o qual a etapa deve estar concluída, isso torna as metas mais perceptíveis e tangíveis. E quando fazemos votos de ano novo, é exatamente isso que estamos fazendo, diga-se de passagem.
Agora que já ensaiei um retorno ao tópico original do texto, o que essa pequena tangente nos diz sobre votos de ano novo? Ora, não são nada se não uma maneira conveniente (e fortemente enraizada na nossa cultura compartilhada) de estabelecer metas para o ano vindouro. Lógico, a execução dessas metas ainda depende de cada um, como bem lembrariam nossos amigos céticos. Por isso, metas excessivamente exageradas ("Vou chegar a nível olímpico", diz alguém que começou o esporte há 2 meses), ou que não dependem de si mesmo ("Vou ganhar na loteria!") não entram muito na nossa lógica. Quando, ao contrário, esses votos de fim de ano representam coisas alcançáveis, a probabilidade deles providenciarem um aumento na motivação aumenta e, com o eventual cumprimento desses votos, é até possível que você se sinta mais motivado para atingir objetivos mais elaborados. Paradoxalmente, às vezes estabelecer metas menores é o que faz com que você atinja objetivos que não conseguiria se os tivesse colocado como metas para começo de conversa.
Por fim, para responder aos comentários céticos de vez por todas: É verdade que nada vai mudar magicamente. E é sempre muito importante se responsabilizar por aquilo que deseja mudar em sua vida. Mas, se porventura você conseguir se valer do ano novo como um marco para alcançar transformações desejáveis... Bom, um ótimo ano novo para nós dois, então.
Foto de capa: Getty Images/iStockphoto
Referências
CAETANO, Angélica; JANUÁRIO, Carlos. Motivação, teoria das metas discentes e competência percebida. Pensar a Prática, v. 12, n. 2, 2009.
CARDOSO, Luzia Rodrigues; BZUNECK, José Aloyseo. Motivação no ensino superior: metas de realização e estratégias de aprendizagem. Psicologia Escolar e Educacional, v. 8, p. 145-155, 2004.
MACHADO, Letícia Vier; BOARINI, Maria Lúcia. Políticas sobre drogas no Brasil: a estratégia de redução de danos. Psicologia: ciência e profissão, v. 33, p. 580-595, 2013.
MIRANDA, Lúcia; ALMEIDA, Leandro S. As metas académicas como operacionalização da motivação do aluno. ETD Educação Temática Digital, v. 10, n. numeroespecial, p. 36-61, 2009.
TODOROV, João Cláudio; MOREIRA, Márcio Borges. O conceito de motivação na psicologia. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 7, n. 1, p. 119-132, 2005.
ZENORINI, Rita da Penha Campos; DOS SANTOS, Acácia Aparecida Angeli. Escala de metas de realização como medida da motivação para aprendizagem. Revista Interamericana de Psicología/Interamerican Journal of Psychology, v. 44, n. 2, p. 291-298, 2010.


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